Abril despedaçado em Ruanda
Cheguei a Ruanda, abril de 1994 quando li Maça Envenenada do Michel Laub. Quem nunca foi ou não lê nada sobre a Africa, tem uma idéia de um continente devastado pelas guerras civis e miséria. Mas a Africa, assim como todo continente, é muito diferente em suas partes. Tendo lugares civilizados e democráticos como a Africa do Sul e Namíbia e ditaduras tribais como na Guiana Equatorial, Camarões e Sudão. Dentre os inúmeros horrores que já aconteceram naquele continente, o Genocídio de Ruanda talvez tenha sido o pior e um dos piores da História da humanidade.
Laub usa a história de Immaculée Ilibagiza uma ruandense perseguida no massacre que passou 90 dias com mais 4 mulheres, num banheiro de um metro quadrado para fugir da ira dos hútus (a etnia que perpetrou os assassinatos). Os ataques em Ruanda começaram no mesmo dia em que Kurt Cobain se suicidou em Seattle em abril de 1994. O escritor usa essas duas histórias para mostrar que Immaculée, mesmo sabendo que se passasse por aquilo, toda sua família estaria morta, seu país destroçado e ela carregaria um trauma para sempre, luta a cada minuto por sua vida, enquanto o líder do Nirvana que tinha uma família, fama e muito dinheiro suicida-se.
O genocídio ficou na minha cabeça e se reforçou depois que assisti O Sal da Terra, um documentário do fotógrafo Sebastião Salgado. Ele que já havia passado pelas piores guerras, diz que nunca viu nada igual a Ruanda. Salgado conta no filme que inúmeras vezes deixou a câmera no chão para chorar com o que via e depois que voltou de Ruanda, parou por sete anos de fotografar "eu estava doente, não havia infecção no meu corpo, mas minha alma estava doente. Quando via as cenas em Ruanda o que me vinha na cabeça era - se o ser humano faz isso, esta é uma espécie que não merece viver."
Essa semana comecei a ver um documentário sobre o genocídio (Ghosts of Ruanda) e assisti Hotel Ruanda, que ainda não tinha visto. Essa semana fiquei bastante doente, claro que não deve ter relação, mas o fato de eu estar há mais de dois anos sem parar um dia de trabalhar por doença e isso acontecer ao mesmo tempo que aprofundo o conhecimento deste tema é no mínimo curioso.
O que aconteceu em Ruanda foi que há no país duas etnias, os hútus e o tútsis. Estes últimos foram os preferidos dos belgas durante a colonização e obtinham vantagem dos colonizadores, o que gerou bastante insatisfação por parte dos hútus. Quando a Bélgica abandonou o país, os hútus que eram maioria, venceram as eleições e começaram a exercer sua ira. Vários massacres esporádicos de hútus contra tútsis aconteciam no país. Entretanto, os extremistas hútus queriam mais. Começaram uma campanha em suas rádios difamando os tútsis "eles são baratas e devemos pisoteá-las e matá-las." Quando o avião do presidente hútu caiu, os extremistas viram motivos de sobra para começar a matança. As pessoas que até então viviam e trabalhavam juntas, começar a assassinar as outras simplesmente por serem de outra etnia. Os hútus entravam em bando dentro das casas tútsis e matavam todas a facão, nem os bebês ficavam de fora. Seu objetivo era exterminar com todos as gerações de tútsis. Nas estradas, filas de corpos eram deixados pelas ruas até serem comidos pelos animais. Em 3 meses quase um milhão de tútsis, cerca de 20% da população de Ruanda, perderam a vida. No que pode ter sido o pior genocídio da História.
Uma das coisas que mais impressiona nessa história é que apesar de todos os avisos, até a Cruz Vermelha que nunca intervém em guerras, vai apenas para salvar vidas, foi à ONU denunciar os absurdos que estavam acontecendo em Ruanda, ninguém fez nada. Os Estados Unidos haviam feito uma intervenção desastrosa na Somália e por isso não quiseram mais se meter na África. Bill Clinton não se sentiu responsável e não fez esforço algum para parar as mortes, mesmo tendo uma mulher que se julga a maior entendedora de Africa do planeta. Os belgas, que ficaram no país para vigiar o tratado de paz feito entre hútus e tútsis, saíram fora assim que tiveram 10 baixas. A população belga ficou revoltada com a morte de dez soldados. O mundo literalmente virou as costas para o problema e crianças, mulheres e homens perderam suas vidas como insetos.
Muitas vezes vejo pessoas indignadas com intervenções americanas em diferentes lugares do mundo. Quer se goste ou não, os EUA ainda é o único país com condições de estancar guerras civis e não deixar piorar lugares pelo mundo. O que a população de Ruanda mais clamava naquele momento era um pequeno exército que pelo menos lhes desse chances de defesa. O exército americano não é essa caricatura perversa que certos filmes tentam desenhar. Intervenções americanas são a única chance de diminuir as chacinas nesse continente já tão devastado. Quando você vir nos jornais que os Estados Unidos pretende mandar exército para determinado país, antes de julgar, lembre-se de Ruanda.
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