ET

Conheci uma menina de outro planeta. Talvez isso sendo lido agora pareça um conto fictício, mas quando a verdade vier a tona o que está escrito aqui não passará de uma história real ou um relato jornalístico.
Eu estava sozinho num bar na Vila Madalena, olhei para ela falando com suas amigas sobre trabalho, papo de bar, de gente que trabalha junto e faz fofoca dos patrões e conta casos engraçados que acontecem nesses ambientes e que os clientes jamais suspeitam. Falava bastante, mas aquilo não passava de mimetismo. De onde ela vem tem-se outro tipo de inteligência, algo como uma visão de dentro, sobre o significado real dos acontecimentos e a importância dos símbolos, capta-se a vibração dos sentimentos e com isso sabe-se como todos irão agir. Para eles o ser humano é sempre previsível.
Sentei na mesa contando uma história. O bar era espanhol, disse que vinha de Málaga, que havia acabado duas faculdades em Madri e que comprei uma passagem para o Brasil sem saber muita coisa desse país, só o que todo mundo sabe - praias, sol, futebol, carnaval - mas que me inscrevera num curso em Porto Alegre e estava morando por lá e tinha vindo para São Paulo visitar um amigo que mora aqui. Era uma história interessante, qualquer pessoa normal se interessaria em saber um pouco mais, suas amigas se interessaram, ela não. Continuei tentando, falei dos vários países que visitei, mas que não conhecia Barcelona e que daqui iria fazer uma viagem pela América Central (Guatemala, Nicarágua, El Salvador e Costa Rica) mesmo assim ela nem me olhou direito.
Vi que a imagem de fundo do celular dela era um ET. Perguntei se ela tinha um, disse que não, mas que adoraria, acho que se sentia bastante sozinha, falei que sabia onde comprar, mas que não era fácil, pois havia uma fiscalização enorme, mas eu já tinha visto uns para vender no México. Seus olhos brilharam, acho que ela nunca sentira-se tão próxima dos seus conterrâneos. Quis saber detalhes, quanto custava, como trazia, se podia mandar entregar.
Comecei a perceber que havia algo estranho naquele interesse todo, e não era apenas o interesse, ela tinha traços diferentes, pontos vermelhos no rosto que nenhuma pessoa da Terra possui. Não falo de sardinhas, é algo como uma pintura na pele da face, com toques refinados, que o "nosso Deus" não foi capaz de produzir nos seres humanos. Não tive coragem de perguntar, apesar da certeza, não queria que ela soubesse que eu sabia do segredo.
Quando nos abraçamos ela baixou a cabeça no meu peito e evitou me olhar, depois apertou minha cintura e quando levantava a cabeça era apenas para mudá-la de lado, me olhava rapidamente ciente que eu descobrira o seu segredo e não podia conviver com aquilo. De onde ela vem, não se envelhece, eles continuam para sempre com a ingenuidade pura das crianças, mas tudo pode ser perdido se se envolverem emocionalmente com um humano. Desejo ela deve ter tido, mas não podia se entregar, tinha que se manter como um Replicante do Blade Runner que sempre deve esconder o que sente. Nos beijamos brevemente e tive certeza que eu estava certo - ela não era daqui. Seu celular tocou com aquela música

Some of these days  
You'll miss me honey

Falou que precisava partir, virou a esquina, um clarão apareceu no céu e eu nunca mais a vi.




   

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