O EU SOZINHO
Embora a palavra EU seja a mais individualista de
todas, existem muitos tipos de EUs - o EU como Ego da psicologia, o EU lírico
da literatura e até o EUnuco da música rsrsrs.
Hoje vou me deter num EU um tanto desprezado pela
nossa cultura - o EU sozinho.
O EU sozinho é um estado de espírito que surge
geralmente em momentos de percalços emocionais. É quase que uma obrigação
que o destino nos impõe. Daquelas coisas nada agradáveis, mas imprescindíveis ao
crescimento pessoal. Neste estado, a capacidade de auto observação acentua-se,
sozinhos, conseguimos ver com mais clareza o que realmente tem valor para nós,
é na solidão que nossa essência se fortalece. Tampouco consigo imaginar a criatividade
surgindo no meio da confusão de grandes grupos.
Inegavelmente é a solidão que constrói as grandes obras
e é ela que traz as profundas reflexões. Solidão em boa dose é igual a
crescimento. O que dizer da admiração que nutrimos pelos monges que vivem
isolados em locais inóspitos? A certeza que ali há algo especial, inexplicável,
compreendido apenas por quem teve a coragem de abrir mão da vida “cômoda” dos
grandes centros urbanos e entregar-se àquela experiência transformadora.
Independentemente de onde estamos, cidade, fazenda
ou na montanha, ficar só, não é algo fácil, nos obriga a mergulhar no SELF e às
vezes não queremos ver ou admitir aquela realidade inegável. A fuga para as
distrações custuma ser mais “cômoda”.
Todo grupo cultural tem o seu agitador, o mais
gregário, carismático, mas que geralmente não é o que tem a produção mais
consistente. A geração de ouro da França do início do século XX que foi
retratada por Woody Allen em “Meia-Noite em Paris” tinha Gertrude Stein, mas
foram os anos isolados de Gauguin no Tahiti que geraram a mais expressiva das
obras plásticas daquela geração na minha opinião. E o que dizer das
intermináveis viagens de Hemingway e os livros que delas brotaram?
No Brasil o modernismo contou com Jayme Ovalle para
reunir a turma que revolucionou nossa arte, mas ele mesmo seria esquecido em
pouco tempo se não fosse o livro de Humberto Werneck "O Santo Sujo".
Mas vamos ao caso mais nítido de tudo o que quis
dizer até aqui - a importância do EU sozinho. O exemplo remete a famosa Geração
Beat. Jack Kerouc acabou se tornando o mais influente daquele time. Sua auto descrição (hoje ela estaria no
seu perfil do Facebook) é uma das melhores coisas que escreveu: estranho e solitário, místico e louco.
Acreditava que sua missão na Terra era escrever livros e pregar a
bondade universal. Viajou praticamente sozinho de uma costa a outra dos
Estados Unidos apenas utilizando transportes baratos como trens de carga, caminhões
e carona. Era um admirador do isolamento mongil, do ascetismo e da meditação.
Morreu isolado em 1969, na sua cidade natal deixando como legado um dos livros
mais importantes da literatura americana – On
the Road.
Pois é em On
the Road que ele nos apresenta, Dean Moriarty, pseudônimo de seu melhor
amigo, Neal Cassady. Embora Neal não fosse um escritor tão talentoso quanto
Jack, eles escreveram lado a lado muita coisa, mas Neal não publicou nada. Era
um tipo charmoso, carismático e gregário. Vivia em festas e era um arrebatador
de mulheres, no final Neal não nos deixou nada, o que escreveu foi perdido
e hoje não sabemos mais o que ele pensava ou sentia, se não pela voz de Kerouc
e de outros beats como Ken Kesey.
O que faltou a Neal Cassady?
Talvez um pouco mais de solidão, um pouco mais do
seu EU sozinho.
Neal Cassady e Jack Kerouc
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