NOSTALGIA E EMPATIA


Eu tenho um costume um pouco incorreto. Quando entro numa livraria com tempo (ter tempo sobrando não é algo comum na minha vida) eu pergunto pelo livro que estou lendo, o atendente me traz e me sento para lê-lo. De fato, nunca senti nenhum tipo de constrangimento ou remorso por fazer isso, mas hoje uma sensação inusitada me ocorreu. Eu lia Amuleto de Roberto Bolaño, num estado de imersão absoluta, foi aí que uma sensação acompanhada de uma pergunta me tirou totalmente a concentração – será que a pessoa que vai comprar este livro terá o mesmo apreço pela obra que eu tenho? Tentei me colocar no lugar dela para saber se a leitura será tão significativa como estava sendo para mim. Cheguei a entristecer pensando que talvez ela o leve mas nem abra e o deixe jogado num canto da casa até as traças carcomerem-no. Há tantos livros adquiridos por pessoas que passam por livrarias apenas para querer parecer... famoso wannabe!! Cheguei a pensar que para comprar um livro a pessoa devia responder a um questionário para provar o quanto gosta e o quanto vai valorizar o objeto que está levando, mais ou menos como quando um casal deseja adotar uma criança.

Os livros são objetos transcendentes. Mas podemos amá-los do amor táctil – Caetano Veloso   

Mas por que Bolaño me toca tanto? Já me perguntei tantas vezes sobre isso... Seu estilo não tem a sofisticação de um Flaubert ou de Sandor Marai, ele escreve de um jeito desleixado, como se não revisasse o que pôs no papel. Além disso, eu tenho idéias políticas diametralmente opostas as dele, e ainda ele faz questão de marcar em todos os seus livros o quanto anseia pela revolucion comunista. Apesar de tudo isto, quando eu pego um Bolaño, não consigo parar.
Em 1907, o historiador de arte Wilhelm Worringer escreveu um ensaio chamado Abstração e Empatia, com intuito de responder porque alguns amam Dalí e outros Monet ou por que odeiam Warhol e veneram Pollock. Neste estudo o pesquisador argumenta que todos crescemos com algo faltando dentro de nós. Nossos pais e o ambiente que nos cerca falham conosco de formas distintas, com isso nosso caráter é moldado com áreas de vulnerabilidade e desequilíbrio. Fundamentalmente, essas falhas determinam o que nos atrairá ou repelirá na Arte. Ansiamos por qualidades nas obras de arte que estão faltando em nossa vida. Essa teoria é deveras profunda e cabe para muitos aspectos da nossa vida como relacionamentos afetivos (faz bastante sentido buscarmos no outro o que sentimos falta dentro de nós), trabalho, amizades, enfim mas o que me interessa agora é - Por que Bolaño?
Comecei me perguntando o que o chileno tem que os outros não possuem ou que ele tem mais que os demais. A resposta, se de fato é verdade a teoria de Worringer, não poderia vir de outro lugar se não da minha infância. Se há algo que gostava muito na juventude eram aventuras. Eu era sempre o primeiro a chegar num sítio e propor trilhas no meio da floresta, caçada a algum bicho, travessias a açudes, enfim todo o tipo de risco que estivesse ao alcance de nós crianças e que nos faria parecer pelo menos um pouco com Indiana Jones. Sendo que este e Goonies eram meus filmes favoritos naquela época. Com o passar do tempo, a não ser que você tenha hábitos muito excêntricos, é natural que reduza a carga de aventura da sua existência. BINGO!!!!
As histórias de Bolaño são sempre recheadas de ousadias e riscos e esse jeito desleixado certamente é deliberado para combinar com o estilo de um aventureiro que senta para contar suas façanhas. Bolaño chega ao meu inconsciente, me traz por meio desse fantástico mundo que é a literatura algo que a criança dentro de mim sente falta, me enche de nostalgia e não me deixa sair até que eu vire a última página.        

Comentários

  1. Muito bom, agora acertou no texto. Senti inspiraçao, os ultimos pareciam que vc escreveu por uma obrigacao de escrever "bom, agora vou me sentar e escrever sobre isso". Acho chato, gosto mais de textos desleixados inspirados do que certinhos muito técnicos. Fiquei com vontade de ler Bolano, nao conheço.

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