É SOMENTE VOCÊ COM VOCÊ MESMO



Uma força concentrada abaixo do seu corpo o leva para cima da superfície e ele começa a movimentar os braços, ao tocar a água sente suas mãos ainda mais geladas. Quando a esquerda vence a resistência da superfície, ele a empurra mais para baixo e depois a puxa para trás, conduzindo-a até o quadril. Ao sair, entra a outra para repetir o mesmo semi-círculo.

Quem o avista de cima do morro, vê apenas mais um desconhecido, de roupa preta, boiando e agitando os braços no oceano. Mas ele está dentro do movimento e vive um certo "ênxtase" de tanta consciência que deposita no ato. Questionou-se outrora se seria melhor ficar com o braço mais ou menos tempo dentro da água, testou as duas formas e como não percebeu diferença alguma, deixou a circunvolução, ocorrer naturalmente.

Mais por intuição do que pelo que vê, sabe que precisa estar rapidamente lá fora. Faz mais força. Rema. O mar cresce à sua frente e a primeira onda passa eclipsando a visão do sol quase vermelho que se põe no horizonte. Quando conheceu o outro lado do continente, afligiu-se por não poder desfrutar da magnífica imagem da bola laranja mergulhando no oceano. Decididamente ao se por atrás das montanhas não produz aquele efeito deliciante nas retinas.

A segunda onda parece ainda maior. Por fora é apenas um movimento do mar, por dentro, uma maré de sensações alarmantes que chegam como uma forte pontada nas suas entranhas. Se parece com a que sentiu há alguns anos quando a menina que tanto apreciava apareceu na festa. O medo e o desejo andando lado a lado, como se um fosse extensão do outro. O pavor da reprovação competindo com a possibilidade da glória. E assim como a garota, ele a deseja somente para si. As disputadas influenciam a intensidade do seu querer. Ele a quer, de verdade, quer sim, quer muito.

Pensar em como as pessoas o admirarão após a conquista invariavelmente influenciará seu desempenho e como somente a excelência irá satisfazê-lo, é preciso que esteja unicamente consigo.

A onda vem. Sua prancha que até então tem seu bico apontado para o horizonte se vira para a praia. A sensação gélida que outrora sentira apenas nas mãos, se espalha por dentro do seu corpo. Lembra da admiração dos outros e sua inquietude se acentua. Volta-se para si. Sente-se. Respira fundo. Volta a pensar nos outros, apreensão, torna a si. Mais uma respiração sentida.

Ele rema. A imprevisibilidade do mar desaparece. É como se ele tivesse descendo uma rampa de concreto. Ele se integra ao movimento e ao chegar na base, volta a subir. Precisão. Faz exatamente o que deseja. Busca o topo da onda e completa o movimento. É preciso e perfeito. Êxtase. Euforia. Olha para os lados, ninguém o viu. Está só...

Comentários

  1. Dani.
    Você está escrevendo muito bem. Gostei do conto.
    Abraços do amigo.

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  2. yeah! quantas vezes já não vivemos isso... estar só... com as ondas... que companhia boa.
    ele podia ter pegado um barrel. rsrsrs
    abraços

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  3. Muito bom!

    Dois generais fizeram o mesmo discurso.... quando o primeiro falou, todos disseram "como ele fala bem". Quando o outro falou, todos entraram imediatamente em marcha...

    Por isso não vou elogiar seu jeito fantástico de escrever... vou te dizer apenas que eu, que nunca surfei, senti realmente como se estivesse lá!

    Parabéns!

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  4. Obrigado amigos. É sempre bom receber elogios, nos mantém motivados à ação.

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  5. Que texto lindo Dani! Realmente só quem surfa pode sentir isso de verdade :) ..... Ontêm, mesmo sem condições de ondas melhores, pensei muito nisso, sozinho ao apreciar toda a natureza daquele lugar. Como é maravilhoso poder estar lá naquele momento e descer uma simples e pequena onda, com a mesma adrenalina de uma onda grande. ....

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  6. Pô cara, que texto show!

    Pra quem surfa... descereve muitas sensações vividas!

    Abraço,
    Lucas Ferreira
    (Moinhos)
    POA/RS

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  7. Adorei!!
    Depois disso, será q é preciso entrar na água e subir na prancha para vivenciar o suf?!
    Adorei ter tido a chance de pegar uma onda lendo este texto!!

    Bjo!

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