Ensaio sobre a felicidade


Apesar de a felicidade ser um propósito comum a todos, este assunto é muito pouco comentado entre as pessoas. O motivo do descaso não é claro. Uma possibilidade é a de todos acharem que está determinado o que é a felicidade. Para conquistá-la basta se ter bastante dinheiro, uma família estável e um bom emprego e você viverá feliz pra sempre... A outra hipótese é a de que esse assunto seja um tabu em nossa sociedade, devido à repressão que antigamente a Igreja Católica impunha a este tema.

De qualquer forma, vale uma reflexão para meditarmos sobre esta questão tão importante.

Começamos por dividir a felicidade em duas classes:

  1. Felicidade Extrínseca: Estado de euforia momentânea, que é despertado com alguma conquista externa, seja esta um bem material, uma posição melhor no trabalho, um novo cônjuge, entre outras. Ela se dissipa assim que a alteração emocional passa, nos levando a buscar objetivos mais complexos. Por não saberem que existe outra forma de se vivenciar a felicidade, as pessoas acham que a alegria que vem de fora é a única existente.
  2. Felicidade Intrínseca: Estado de permanente bem-aventurança que é obtido a partir do desenvolvimento interior. Este tipo de felicidade está atrelado à realização pessoal e será alcançada quando o pretendente colocar as vontades que m da consciência acima das convenções sociais.

Analisemos a vida destes dois estados desde o seu surgimento, passando pelo seu desenvolvimento, chegando até o seu desaparecimento ou perpetuação.

Nascimento

A Felicidade Extrínseca nos é oferecida como um pacote pronto, pré-estabelecido pela sociedade. A convenção é que ela será alcançada quando obtivermos tudo o que foi determinado. Tal estado pode ser comparado a um produto que você tem que comprar, nele encontra-se normalmente: uma casa grande, um bom carro na garagem, um emprego seguro, filhos obedientes, uma esposa ou marido fiel e bastante dinheiro no banco. A fórmula parece simples, alcance isto e viverá dando saltos de alegria. Segundo esta convenção, apenas aqueles privilegiados que obtiverem o que foi convencionado chegarão a tal estado.

No entanto, este pacote ilusório se altera assim que você está prestes a adquiri-lo, tomando proporções cada vez maiores à medida que nos aproximamos dele. Quando você está prestes a alcançá-lo, vem a “necessidade” de uma lancha, carros ainda melhores, esposas ou maridos mais jovens ou mais ricos, roupas caríssimas, fama, etc. Como diz a música de Dorival Caymmi “pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz”.

Este tipo de felicidade não é algo profundo, ele surge de vontades alheias, de outras pessoas que pensam que é por isso que vale a pena viver. Até mesmo as sensações que serão geradas por estas aquisições estão pré-determinadas pela sociedade, através das propagandas que vemos nos meios de comunicação. Isto deixa claro que não são sensações reais, pertencentes a cada um de nós.

A Felicidade Intrínseca começa a ser desenvolvida a partir da descoberta de um propósito pessoal. Um objetivo elevado e incomensurável, que cada um de nós deve mergulhar dentro de si para encontrar. Podemos citar como exemplos de propósitos: amar a tudo e a todos, ser feliz e compartilhar, ajudar as pessoas, etc. Depois desta descoberta é necessário que se comece a agir para colocar em prática a realização do propósito.

Esta felicidade que vem de dentro não surge repentinamente, ela vai se expandindo à medida que a pessoa se desenvolve como ser humano. É um estado que cresce com o autoconhecimento, por tanto, é totalmente individualizado. Somente a pessoa que gera as experiências pode saber o quanto aquilo representa para ela. Para se desenvolver tal estado é necessário um constante acompanhamento da consciência, que quanto mais próxima estiver mais aumentará a satisfação de se viver.

Desenvolvimento

A Felicidade Extrínseca se desenvolve a partir de vontades alheias, por isso a consideramos um estado externo ou pelo menos dependente das circunstâncias que estão fora de nós.

Como a pessoa que conquistou temporariamente esta emocionalidade não sente a felicidade como parte sua, e sim como algo que é gerado por estímulos externos, ela fica com medo de perdê-la caso perca os bens materiais adquiridos. Torna-se dependente de fatores externos que outros sempre poderão tomar para si. Por proteção, acaba desenvolvendo junto com as conquistas materiais, um estado egoísta. Afinal compartilhar pode significar - neste caso em que a felicidade está depositada em coisas que estão fora - perda.

Este tipo de bem-estar está totalmente sujeito a fatores que vem de fora e por isso é muito instável. Afinal a matéria deprecia com o tempo e leva com ela este tipo de felicidade. O que a matériaela também tira.

Hoje a pessoa está feliz porque tem o carro do ano, o tempo passa e seu amigo compra um veículo melhor, caso ela não adquira também o novo veículo, se sentirá inferiorizada, e por conseqüência frustrada. O estado não é seu, ele depende muito da imagem que as outras pessoas têm do que você possui e não do que você é.

Quando o que se deseja é alcançado, gera-se um estado de euforia levando-nos ao pico. No entanto, sabemos que depois de todo o pico vem a queda e para o ápice ser alcançado novamente exige bens materiais mais caros e mais difíceis de conquistar. Este estado de consciência exige a renovação constante dos bens de consumo. É na conquista desta euforia que se baseiam todas as campanhas publicitárias e todos os estudos de marketing.

A Felicidade Intrínseca é totalmente personalizada. Devido à interioridade de tal estado ele não pode ser tirado de quem tem, gera-se uma vontade de se levar isto a outras pessoas compartilhando o estado com os demais. Em princípio, nada pode abalar a felicidade que vem de dentro. Ela é um estado de consciência que independe das situações externas e é construída com o desenvolvimento do seguinte paradoxo:

A valorização de tudo o que se tem (gratidão) X A independência disto para a felicidade (desapego).

Gratidão: Ter zelo por tudo o que se tem é algo imprescindível para que montemos uma estrutura sólida para esta felicidade que estamos construindo. Embora ela não possa depender de fatores externos, estes serão muito úteis na sua solidificação.

A gratidão pelo que se conquista é importante que seja desenvolvida, afinal a conquista de objetivos concretos é uma demonstração de que estamos cumprindo o propósito. Por exemplo, se você tem como intuito ajudar aos outros é necessário que se tenha condições para este auxílio.

Além do mais, aquele que atingiu um nível de consciência capaz de saber qual é a sua missão na terra, não investirá em coisas que não estejam totalmente alinhadas com seu propósito. Tudo o que ele adquire tem o intuito de auxiliá-lo no cumprimento do objetivo maior. Com certeza, esta pessoa não comprará bens de consumo pela simples aparência. Quando os obtiver, será para auxiliá-lo na sua realização pessoal.

Ninguém consegue construir uma estrutura emocional consistente se tem dívidas impagáveis no banco e a preocupação de não ter assistência médica caso fique doente. Portanto, valorizar o que se tem e lutar para se conquistar tudo o que possa acrescentar no nosso bem-estar é parte da construção desta felicidade que vem de dentro.

Desapego: Paralelamente, vamos trabalhando o desapego em relação aos bens materiais, aos amigos e familiares (a parte mais difícil deste trabalho).

Esqueça o estereótipo de desapego que você conhece, que é a imagem de um monge que vive nas montanhas isolado de tudo. O verdadeiro desapego não acontece quando nos desfazemos de tudo que temos. Ele é realmente conquistado quando temos bens que valorizamos muito, que quando perdidos não abalam a nossa satisfação de viver.

Uma vez um amigo me disse:

- Eu sou desapegado às mulheres!

Logo perguntei:

- Você é casado? Ou teve uma namorada de mais de dois anos?

E ele disse:

- Não, como te falei, sou desapegado.

Assim não vale. É como o mendigo da Índia que se diz desapegado aos bens materiais. Como ele pode vivenciar o desprendimento se nunca teve nada?

O verdadeiro desapego é experimentado quando você tem um carro que gosta muito, mas de repente acontece um problema em sua empresa e você tem que vendê-lo, no entanto, isso não afeta a sua felicidade.

Por tanto, para se construir uma base sólida para a felicidade duradoura, é preciso que se lute por bens materiais importantes para o nosso bem-estar. Vitórias externas como a melhoria do nosso padrão de vida e a aquisição de tudo aquilo que possa ajudar na preservação deste estado. No entanto, vamos deixar claro que tudo isso caso seja perdido não nos desmoronará. Preservaremos nossa felicidade, pois ela tem que estar acima de qualquer bem que se possa comprar.

Também é necessário que haja conquistas internas, como a aproximação de nossos pensamentos, sentimentos e ações da consciência que habita em cada um de s.

Desaparecimento/Perpetuação

A Felicidade Intrínseca tende a desaparecer logo após a conquista dos objetivos e, para ser ressuscitada, pede vitórias mais caras. O problema disto aparece quando a pessoa tem tudo o que desejava e descobre que passou a vida correndo atrás de coisas que não eram a sua própria vontade, e sim anseios alheios de outras pessoas.

Gera-se então um vazio existencial, muito comum em pessoas de alto poder aquisitivo, e ainda pior em herdeiros abastados, que nasceram com todos esses desejos do consumo adquiridos pelos seus progenitores. Neste ponto da vida a pessoa passa por uma crise, enveredando por um dos dois possíveis caminhos. Acaba desistindo de tudo, por achar que não tem idade para buscar novas conquistas, ou passa a fazer o que realmente é importante para ela, independentemente do que os seus amigos ou familiares vão dizer. Ela começa a batalhar pela Felicidade Intrínseca, que na verdade sempre esteve à sua disposição, mas o afã de conquistar tudo o que a propaganda vendia obstruiu sua visão, mas assim que possui tudo, que esse tipo de felicidade é efêmera.

Aquele que, ao longo da vida, procura ouvir sua consciência e agir de acordo com ela, não se importando com o que os outros acham que é certo, faz crescer seu estado de felicidade permanentemente. Ela se tornará uma pessoa cada vez mais lúcida e grata pela vida, podendo ajudar a outros a conquistar este mesmo estado. O melhor de tudo é que o Universo coloca todas as sensações à nossa disposição, cabe a nós escolher com quais pactuar. A felicidade permanente é possível e depende apenas das suas escolhas. Elas contemplarão o que você acha que é melhor para você, ou irão preencher vontades alheias que a sociedade disse que você deve ter? A escolha é sua.

Reflexões

Observamos na descrição acima que um estado de felicidade que cresça e que se torne a cada dia maior, parte de nós mesmos e, menos vulnerável a situações externas, é possível de ser construído. Para tanto é necessário que a pessoa desenvolva autoconhecimento e encontre o seu propósito existencial mais profundo e importante, e aja para realizá-lo.

Devemos lutar por tudo aquilo que possa manter este estado de consciência por mais tempo. Aquisições são importantes, desde que estejam alinhadas com o cumprimento do nosso propósito. Vale ressaltar que tudo o que é externo a nós não pode afetar nosso bem-estar, deve chegar apenas para agregar, mas jamais nos afastar dele caso percamos estes bens. A vida deve se tornar um eterno aprendizado e uma auto-superação constante na busca de uma felicidade mais duradoura.

Comentários

  1. Ótimas reflexões, Dani!
    Adorei!
    beijos,
    Pati

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  2. Olá caro colega :)

    Meu nome é Marco, sou instrutor em Curitiba. Muito bom seus pensamentos, aliás gostei muito de quando em uma aula ao vivo você expós sua teoria sobre o desenvolvimento do Brasil através de nosso maior qualidade.

    Abraços

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  3. Inclusive se desejar, http://filosofiadevida.marcocarvalho.com/

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  4. Muito com esse texto meu amigo....

    Gosto desse tema, escrevi um artigo sobre a felicidade plena e prática com alguns ensinamentos cristãos...

    de uma olhada la depois...

    paz

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