ISA

Ontem foi um dia ao avesso. O maior trânsito que já vi na cidade desde que me mudei para São Paulo há 15 anos. O Brasil jogando parecia o Grêmio nos tempos que foi rebaixado para série B. Se já não bastasse, eu tinha comprado ingresso para ir num show/festa depois do jogo no estádio do Morumbi. Cheguei lá, e presenciei o caos completo. Espremeção nas filas, pessoas brigando com os seguranças e todo mundo que saia de dentro do estádio falava - não entrem, isso aqui está um horror. Por fim, a polícia veio e fechou os portões para ninguém mais poder entrar. Uma vergonha dessas que só acontecem nos países em que empresas não temem a lei, pois sabem que se fizerem algo errado e forem processados a chance de terem prejuízo é mínima. Então, seja o que Deus quiser.
Mas a história que eu queria contar não era essa. Essa apenas me levou a um restaurante onde estava jantando com uns amigos. Duas mesas depois, vi a Isa e comentei com o Gus e com a Manu.
- Essa menina fez curso de contos comigo. Ela escreve muito bem, mas ela nunca queria escrever. Brigava com o professor porque dizia que o negócio dela era poesia e que não sabia e nem queria escrever prosa. No máximo, prosa poética.
A Isa era a melhor daquele grupo de pretensos escritores, mas eu achava que ela não tinha muito saco para escrever e que ia acabar desistindo.
- Oi Isa tudo bem? Quanto tempo?
- Onde você estava sentado? Não te vi.
- Ali do lado. Até comentei com meus amigos sobre você.
- Não escreveu mais?
- Vontade não falta, escrevo textos para o meu blog, mas contos mesmo muito pouco. Estou querendo voltar, mas não tenho priorizado isso.
- Mês que vem vou lançar meu livro!
- Sério? De Poesia?
- Não. Escrevi um romance.
PAUSA - tenho que parar aqui para falar o que aquela frase fez comigo. ESCREVI UM ROMANCE.
Para começar o nosso professor, o Marne, que era nosso ídolo, não tinha escrito nenhum romance. Ele escreveu um livro de contos e tinha outros textos publicados em livros de coletâneas, mas romance mesmo ele não tinha nenhum. Em princípio qualquer ruindade pode ser publicada, mas o Marne sempre nos falava - tenham pudor com o que vão publicar. Seu livro ficará na estante ao lado do Dostoiévski, do Flaubert, do Proust. Não façam qualquer coisa. Quem publica coisa ruim, depois para mudar a imagem só com pseudônimo.
A Isa sabe disso tudo, ela tem critério e não preciso nem ter lido o que ela escreveu para saber que não pôs qualquer bobagem no papel. Anualmente, vou à FLIP (Festival de Literatura de Paraty) e vejo as palestras dos escritores. Eu ainda tenho a imagem de que quem escreve um bom livro é quase um extraterrestre, um ser paranormal com poderes inacessíveis aos homens comuns. Sim, eu também achava isso de quem tinha terminado um Ironman e ainda acho de quem alcança o cume do Everest.
A sensação era de felicidade pela minha amiga, pois eu acho que daquela turma eu era o que mais falava para ela continuar e que ela devia continuar tentando escrever contos e quem sabe um romance. Do meu lado senti aquela sensação de fracasso que nos empurra para frente. Eu poderia, estar com um livro pronto. Era mais uma questão de foco e organização do que qualquer outra coisa, mas não fiz e não tenho. O que fiz ali foi fazer a Isa prometer que vai ouvir meus traumas literários por uma tarde pelo menos e que me ajudará a começar meu romance.
    

Comentários

  1. cheguei aqui quase sem querer. li alguns textos do seu blog... gostei. ainda que concorde que os filmes de lars von trier façam parte da lista de coisas boas da vida, o dinamarquês sempre me faz querer ficar uns dias sem assistir mais nada, só pra tentar sentir um poquinho menos.
    espero que a isa te ajude. que bom que você a encontrou nesse dia ao avesso.
    também encontrei seu blog, num dia al revés.
    gracias.
    rê.

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